segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O MECANISMO DA SUBSTITUIÇÃO DO ICMS E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS,ECONÔMICOS E CONSTITUCIONAIS


O Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, mais conhecido como ICMS, certamente é considerado um dos tributos mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, afora que é a maior fonte de recursos dos Estados da Federação. Neste passo, cediço que o ente público possui várias sistemáticas administrativas utilizadas com a finalidade arrecadatória do aludido imposto, sendo a substituição tributária uma delas. Tal mecanismo, o qual antecipa o recolhimento do tributo antes mesmo que se concretize a operação, representa esse incitamento arrecadatório, o qual é considerado, por inúmeros doutrinadores, inconstitucional.
O mecanismo da substituição tributária foi criado e incorporado no ordenamento jurídico brasileiro, primeiramente, a fim de impedir a sonegação, facilitando, assim, que fosse realizado um controle e uma fiscalização mais eficaz pelos respectivos órgãos competentes, além de, num segundo momento, propiciar maior arrecadação. OCódigo Tributário Nacional- CTN, em seu texto original, mais precisamente seuartigo 58, § 2º, II, foi quem instituiu a sistemática da Substituição Tributária. Todavia, foi revogado em 1968. Mas, no ano de 1983, voltou a viger no ordenamento juridico brasileiro, ganhando no ano de 1993 status constitucional, através da edição daEmenda Constitucional nº 03/93. No entanto, só foi possivel viabilizar a aplicabilidade deste mecanismo com a edição daLei Complementar nº 87/96.
Nesta conjuntura, a constitucionalidade do mecanismo da substituição tributária foi abundantemente discutida, arguindo-se, sobretudo, a presunção do fato jurídico futuro sob o escudo dos princípios da tipicidade tributária e da capacidade contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, sob a égide do princípio da não cumulatividade.
Um dos principais pontos de inconsonância foi introduzido pela reforma de 1993 daConstituição Federal, em seuartigo 150, § 7º. Parte da doutrina alega a inobservância da faticidade do pressuposto na hipótese de incidência quando da aplicação da substituição. Neste passo, o ilustre doutrinador Marco Aurélio Greco leciona em sua obra Substituição Tributária (01) que:
"tal regime se legitima a partir da observação dos requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade" (sob o âmbito da relação entre o fato jurídico presumido e o fato real).
Outrossim, Marciano Seabra Godói e Gilberto Ayres Moreira (2001, p. 81-87) dispõem que:
A proporcionalidade estaria vinculada à proibição de excessos de forma que o arbitramento da base de cálculo abstrata e o valor real obtido se aproximem ao máximo.
Desta forma, conforme a magnitude em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador presumido, verifica responsabilidade em relação a serviços, mercadorias ou bens aos sujeitos da relação, convenciona-se a base de cálculo da incidência precipitada, sendo que essa base de cálculo pautar-se-á na soma do valor da operação ou da prestação efetivada pelo substituto, sendo acrescidos a ela o valor do transporte das mercadorias e o valor referente à margem de valor agregado, adsorvendo-se parâmetros para compor a aludida base de cálculo.
Neste diapasão, o mecanismo da Substituição Tributária no ICMS, mesmo sendo uma forma diferenciada de arrecadação tributária, não se distingue dos diversos tributos existentes no ordenamento jurídico quanto a sua incidência e quanto à aplicação da regra matriz de incidência. Assim, com a ocorrência do fato imponível (02) na hipótese incidente legal (03), nasce a obrigação do particular que praticou tal fato para com o Fisco. Adverte-se, contudo, no que tange ao ICMS, a aplicação do princípio da não cumulatividade, competindo ao contribuinte, na ocasião de adimplir com a obrigação tributária, descontar a quantia devida dos valores de ICMS pagos na etapa anterior.
Nas esferas econômica e consumerista, verifica-se que a predileção do elemento presumido necessita ocorrer dentro do ciclo econômico da mercadoria, em etapa antecedente e expressivamente reducente do número de contribuintes a serem fiscalizados. Assim, a base de cálculo presumida deve obedecer a critérios específicos de dedução, aproximando-se, o mais possível, do valor da futura venda ao consumidor.
O Pretório Excelso, no âmbito do direito tributário, oferece um raciocínio no sentido de conferir a máxima eficácia aos valores da isonomia, do combate à sonegação e da praticidade, conservando a finalidade desejada pelo legislador ao instituir a sistemática da substituição tributária no ordenamento jurídico. Tem-se, destarte, um posicionamento respaldado em valores jurídicos, coesos com a hodierna linha interpretativa do Tribunal, além de compatibilizar com o esboço dogmático do mecanismo e com os princípios tributários.
Portanto, verifica-se comprovado que as questões levantadas em relação à sistemática da substituição tributária a partir da óptica constitucional, jurídica e econômica devem ser tratadas de uma maneira crítica, fática e analítica, com a finalidade de extinguir quaisquer dúvidas que se engendrem em relação a sua aplicabilidade e suas consequências, seja pela relação formada entre os sujeitos do regime, seja pela reação econômica e aos consumidores finais dos produtos sob o amparo deste sistema.
2 - Do breve relato histórico
2.1 - Do surgimento e da importância da substituição tributária no Direito Tributário Brasileiro
A substituição tributária foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro com um único objetivo: evitar a sonegação por meio da facilitação do controle e da fiscalização através dos órgãos competentes. Consequentemente, atingindo-se o objetivo, seria propiciada maior arrecadação do aludido imposto ao ente competente para tanto.
Com feito, a fim de facilitar o controle da arrecadação e fiscalização do tributo, os Estados, na década de 70, imediatamente nos primeiros anos de vigência do antigo ICM, passaram a refletir na substituição tributária como forma de facilitar a operacionalização do imposto. Todavia, grande debate nasceu com a retenção do ICMS na fonte, em que o fabricante, ao vender para o comerciante, já deveria reter o ICMS que incidiria em venda futura, destarte, antes da ocorrência do fato gerador (04).
Assim, foi no texto original doCódigo Tributário Nacional- CTN - mais precisamente em seu inciso II, § 2º,artigo 58, que brotou o instituto da substituição tributária, o qual assim dispunha:
Art. 58. Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor que promova a saída da mercadoria.


(.)


§2º A lei pode atribuir a condição de responsável:


(.)


II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem nao excedente a 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar.
No entanto, no ano de 1968, referido instituto foi revogado através doDecreto lei nº 406, voltando a viger, tão somente em 1983, através da edição da Lei Complementar nº 44. Com a edição daEmenda Constitucional nº 03/1993, a substituição tributária ganhou status constitucional, assim determinando em seuartigo 150, §7º:
Art. 150. (.)


§ 7º. A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Mesmo com status constitucional, a sistemática da substituição tributária ainda não possuía a devida aplicabilidade, o que passou a ocorrer somente em 1996, quando foi editada a Lei Complementar nº 87, a qual conferiu à substituição tributária viabilidade aplicativa, pois passou a incorporar em seu próprio texto a autorização para tal procedimento.
Já a substituiçao tributária "para frente", em que o ICMS é retido na fonte, foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro na década de 70, também como meio facilitador de controle das operações e dificultador de sonegações. Ato contínuo, no ano de 1983 houve a edição da Lei Complementar nº 44, inserida através doDecreto Lei nº 406/68, a qual previa a possibilidade de subistituição tributária das operações subsequentes.
Ainda após a edição da referida Lei Complementar, porém, as decisões judiciais permaneceram divergentes, pois ora eram favoráveis ao Fisco, ora aos contribuintes. Mas, no ano de 1994, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da uniformização jurisprudencial, pacificou o entendimento no sentido de legitimar esta modalidade de substituição.
Portanto, o mundo jurídico muito discutiu acerca da constitucionalidade desse mecanismo, questionando, principalmente, a possibilidade de se presumir fato jurídico futuro sob a égide dos princípios da tipicidade e capacidade contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, o princípio da não cumulatividade.
Neste passo, no alcance em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador presumido, atribui responsabilidade em relação a mercadorias, bens ou serviços aos sujeitos da relação, estipula-se a base de cálculo da incidência antecipada, pautando-se na soma do valor da operação ou da prestação realizada pelo substituto, acrescida pelo valor do transporte das mercadorias e pela margem de valor agregado, fixando-se parâmetros para compô-la.
Acerca da importância do mecanismo no universo jurídico tributário e na sociedade como um todo, a substituição tributária evidencia ser, indubitavelmente, um meio eficaz de combate à sonegação, garantindo que todos os contribuintes arquem com o ônus tributário que lhes é cabível. Ademais e de suma importância, trata-se referido mecanismo de uma técnica indispensável à promoção da justiça fiscal, zelando para que os cidadãos percebam a efetividade prática e isonômica das normas tributárias pertencentes ao Estado Democrático de Direito, que tem vultosos gastos sociais a cumprir e escolhe as imposições fiscais como fonte ordinária de receitas. (05)
De tal modo, cristalino é o valor deste mecanismo na atual sociedade brasileira, posto que alcança setores economicamente acentuados e de complicada fiscalização, correspondendo a significativa parte da arrecadação dos estados.
2.2 - Da evolução legal da substituição tributária no Brasil
Heleno Torres (2001, p. 87-108), inteligentemente, definiu a substituição tributária como o mecanismo de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o pagamento devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime plurifásico.
Portanto, conclui-se que a obrigação tributária se extingue com a ocorrência do fato gerador previsto para o contribuinte.
Desta maneira, aEmenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, em seuartigo 150, § 7º, determinou que:
A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Da leitura deste texto e extraindo-se as principais características do instituto ora analisado, tem-se que: num primeiro momento, a técnica da substituição tributária implica uma pessoa substituta e outra substituída, sendo que a substituta é a responsável, enquanto a substituída é a verdadeira contribuinte, conforme ensina Aires F. Barreto (2002, p. 7-32). E mais, observa-se que, sob este regime de arrecadação tributária, a terceira legalmente responsável é quem efetua o recolhimento antecipado da exação que incidiria em operação futura, substituindo o contribuinte desta obrigação tributária presumida, repassando-se o encargo tributário adiantado.
ALei Complementar nº 87/96, através de seuartigo 6º, autoriza a aplicação da sistemática de substituição tributária ao ICMS, restando aos Estados a atribuição de responsabilidade em relação às mercadorias, bens ou serviços. Desta maneira, embasando-se em fato gerador presumido, estabelece-se a base de cálculo da incidência antecipada como a soma do valor da operação ou prestação realizada pelo substituto tributário, do montante dos valores relativos ao transporte de mercadorias e da margem de valor agregado, incluindo-se o lucro das operações ou prestações subsequentes.
Neste diapasão, o legislador estipulou parâmetros para determinar valores abstratos aproximados, estabelecendo-se, assim, a margem de valor agregado:
(...) com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
É desta maneira acima citado que dispõe o §4º doartigo 8º da Lei Complementar nº 87/96.
Outrossim, no Estado de São Paulo, a lei contempla uma ampla interpretação ao dispositivo constitucional quanto à obrigação da restituição do valor pago a maior. Ora, a redação doartigo 66 da Lei Estadual nº 6.374/95, alterada pelaLei nº 9.176/95, certifica a restituição do imposto pago antecipadamente, não apenas no caso em que não se efetive o fato gerador presumido na sujeição passiva (artigo 66-B, inciso I, da Lei Estadual nº 6374), mas ainda quando se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço restou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida (alteração daLei Complementar nº 87/96, em seuartigo 19).
A incidência e o emprego da regra matriz do ICMS são semelhantes aos demais tributos. Não obstante, nesse há a particularidade do cumprimento ao princípio da não cumulatividade, ou seja, o contribuinte abaterá do montante devido os valores referentes aos ICMS já pagos na etapa anterior do momento que adimplir sua obrigação. Conforme ensinamento de Geraldo Ataliba (1989, p.730-96), o direito de abater é expressão fática do princípio da não cumulatividade do ICMS.
Por derradeiro, oartigo 20 da Lei Complementar nº 87/96não adotou o método do tax on tax (dedução do imposto) para efeitos da substituição tributária no ICMS.
De acordo com aludido artigo, o sujeito passivo pode abater o imposto anteriormente cobrado, para a compensação, em "operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente."
3 - Do conceito de substituição tributária
3.1 - Do conceito de substituição tributária
Conforme afirmado em capítulo anterior, o mecanismo da substituição tributária foi positivado com o objetivo de evitar a sonegação por meio da facilitação do controle e da fiscalização através dos órgãos competentes, bem como propiciar uma maior arrecadação do aludido imposto ao ente competente para tanto, além de condensar a cobrança de tributos plurifásicos em um singular pagamento.
Pois bem, foi com esse objetivo que houve a inserção da substituição tributária junto ao ordenamento juridico brasileiro. Cumpre, agora, conceituá-la.
O Doutrinador Heleno Torres (2001, p. 87-108) define a substituição tributária como:
(...) o mecanismo de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o pagamento devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime plurifásico.
Para José Eduardo Soares de Melo (1997, p. 179), a substituição tributária é definida da seguinte maneira:
Trata-se a substituição de imputação de responsabilidade por obrigação tributária de terceiro que não praticou o fato gerador, mas que tem vinculação indireta com o real contribuinte. O substituto tem decorrer naturalmente do fato imponível, da materialidade descrita (hipoteticamente) na norma jurídica, não podendo ser configurado por mera ficção do legislador.
3.2 - Das modalidades de substituição tributária
Quanto às modalidades, quando se fala em substituição tributária, é comum associá-la à cobrança antecipada em relação a um fato gerador futuro. Todavia, é necessário observar que ela também pode ocorrer relativamente a operações e prestações antecedentes, concomitantes ou subsequentes. O presente trabalho aborda a substituição tributária das operações subsequentes, ou seja, a retenção do ICMS na fonte, que ocorre quando determinado produto tem poucos fabricantes ou importadores, e inúmeros comerciantes que o revendem, sendo de grande valia para o Estado exigir daqueles que, ao vender para o comerciante, calculem, à parte, o valor presumido da venda futura do comerciante e já cobre na nota fiscal, em separado, o valor do ICMS retido por substituição tributária em relação às operações subsequentes (ROSA, 2009, p. 10).
3.3 - Das teorias de substituição tributária no ICMS
Diversas são as linhas argumentativas que analisam o instituto da substituição tributária na esfera do ICMS, sendo que algumas delas merecem um destaque especial.
Há a tese da inconstitucionalidade do instituto, que será detalhadamente exposta neste trabalho em momento oportuno, e que consiste, basicamente, na afirmação de que tal instituto viola diversos princípios constitucionalmente garantidos. Trata-se de opinião já superada, inclusive pela posição jurisprudencial.
Outra tese bastante discutida é a da presunção relativa, supostamente criada por lei, a ser confirmada no momento da ocorrência do fato no mundo real, o que cria a necessidade de eventual devolução nos casos em que o valor presumido não corresponder ao valor real da venda (06).
Nesse modelo, o futuro fato material presumido teria o condão de confirmar ou não a presunção, ou seja, em havendo diferenças entre a base de cálculo presumida e o preço final de venda:
(...) a alternativa que entendemos viável, reproduz-se pela recomposição da conta corrente do ICMS, o que implica reformulação do sistema de apuração originário que se faz por confronto entre débito e crédito por mercadoria em cada operação, para fazê-lo por período. Porém, nessa circunstância analisada, para saber quais os débitos das operações realizadas pelos varejistas, torna-se imperioso o fracionamento do valor agregado, em partes iguais, quando não houver outra forma no caso concreto. (LIMA NETO, 2000, p. 78)
Há, ainda, a tese defendida por renomados juristas como Marco Aurélio Greco, em que o cerne da norma descrita no § 7º do artigo 150 da Constituição Federal não seria a substituição tributária em si, mas sim a antecipação da exigência do tributo, visto ser esta norma aplicável não somente ao ICMS, mas a impostos e contribuições também. Nas palavras de Marco Aurélio Greco:
(...) o § 7º do art. 150 da CF de 1988 está prevendo a figura da "antecipação", pois contempla hipótese de atribuição de responsabilidade tributária em função de um evento futuro; ou seja,figura em que o tributo é exigido de um contribuinte numa etapa do ciclo econômico, em contemplação de um fato gerador a ocorrer em etapa posterior, em geral tendo a mesma mercadoria por objeto. (GRECO, 2001, p.14).
Ainda segundo essa tese, se a antecipação for com substituição, deve atender a três cláusulas: vinculação, atribuição e vedação de excesso ou restituição. A vinculação estaria atrelada ao pressuposto de fato (e não ao fato gerador):
(...) ao invés da legislação atrelar a exigência de recolhimento do dinheiro aos cofres públicos ao momento em que estiver concluída a ocorrência do fenômeno (econômico ou jurídico) qualificado pelo ordenamento, ela conecta a exigência a uma fase preliminar, como que antecipando as consequências que, no modelo tradicional, só seriam deflagradas depois da ocorrência do próprio fenômeno. Sublinhe-se que o fato qualificado para fins de deflagrar o recolhimento deve ser fase preliminar do fenômeno, econômico ou jurídico, que compõe a materialidade da competência tributária constitucional prevista, e não necessariamente do fato gerador do tributo. (GRECO, 2001, p.30).
Em relação às cláusulas de atribuição e de vedação de excesso ou de restituição, tem-se que a primeira diz respeito à necessidade de vínculo entre a terceira pessoa responsável pelo recolhimento do tributo com o respectivo pressuposto de fato sendo, no caso do ICMS, o ciclo econômico da mercadoria e a segunda implica uma:
vedação a se cobrar mais do que resultaria caso fosse aplicado o modelo clássico do fato gerador da obrigação tributária, impondo-se a devolução sempre que o fato real não acontecer ou, acontecendo, não se der na dimensão originalmente prevista, pois havendo excesso este tem natureza de cobrança indevida. (GRECO, 2001, p.25).
Ainda, outra tese pertinente de se ressaltar é a que considera a substituição progressiva uma técnica legal situada no plano normativo, em que não há alteração no plano de incidência tributária, ou seja, não se modificam sujeitos, base de cálculo ou elemento material da hipótese de incidência. O § 7º doartigo 150 da CFapenas autorizaria o legislador a escolher uma nova técnica de arrecadação, por meio de novas hipóteses de incidência vinculadas às materialidades previstas na Constituição Federal (SANTI, 2005, p. 535-552).
É cediço destacar que oartigo 150, parágrafo 7º, da CFé daqueles dispositivos que contêm mais de uma norma, ou seja, diferentes suportes fáticos. Assim, todas essas teorias apresentam interpretações singulares do mecanismo da substituição tributária e objetivam desmembrá-lo a fim de obter a maneira mais adequada de sua aplicação conforme seus interesses jurídicos e econômicos.
As normas extraídas do referido artigo tanto autorizam ao legislador infraconstitucional tributar uma parcela da realidade, econômica ou jurídica, por meio da presunção - e daí uma das grandes polêmicas da doutrina tributária brasileira - quanto dispões sobre a obrigação de o Estado devolver o pagamento caso o elemento presumido não ocorra no universo fático.
Alfredo Augusto Becker é um dos pioneiros na discussão sobre a presunção dos fatos no universo tributário. Considerando a observância ao princípio da legalidade, a incidência do tributo deve corresponder à realidade, uma espécie de verdade real deve guiar o tributarista. O renomado jurista chama atenção para o fato de que o sistema da avaliação direta da base econômica de incidência é um processo:
(...) arcaico, bárbaro e frequentemente menos seguro para a descoberta da verdade, cabendo ao legislador escolher não apenas a finalidade de determinada regra jurídica, como também os meios para alcançar aquele fim, com a maior possível aproximação. (BECKER, 1998, p. 504).
Destaca, ainda, que, frequentemente, o legislador elege como presunção de capacidade contributiva determinado fato jurídico de mais fácil e segura identificação e captação que o fato econômico esquivo que normalmente corresponde àquele fato jurídico.
Ora, para atingir seus fins, o Estado precisa captar recursos, e os obtém através dos tributos, exigindo do cidadão uma parcela de sua renda ou capital, tributando, isonomicamente, aqueles que têm disponibilidade econômica para tal. Nas palavras de Becker:
Uma das funções do direito positivo, qual seja a de conferir certeza à incerteza das relações sociais, certeza esta ausente nas ciências físicas e sociais, onde mesmo a mais precisa das leis científicas naturais nunca será mais do que uma extrema possibilidade, o que, ainda assim, não lhe rouba a utilização prática. (BECKER, 1998, p. 506).
Assim, torna-se claro que as presunções no direito tributário podem ocorrer, o que não pode é haver critérios absolutos e incontroláveis na elaboração dessas presunções, que devem ater-se aos métodos científicos em curso e serem passíveis de controle. Ainda nas palavras de Becker:
Em síntese, ante o problema prático, o legislador valorizou os interesses em conflitos e o critério de preferência que inspirou a solução legislativa (fato jurídico como hipótese de incidência da regra jurídica tributária) foi o de perder em justiça absoluta aquilo que ganhava em certeza e praticabilidade do Direito Tributário; verbi gratia: certeza e praticabilidade do lançamento tributário. Ora, as valorações dos interesses em conflito num problema prático e o critério de preferência que inspirou a solução legislativa, participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados pelo seu intérprete sob o pretexto de melhor adequação à realidade econômica, no momento da incidência da regra jurídica. O intérprete da lei tributária deverá investigar sua incidência exclusivamente sobre o fato jurídico (e desde que revestido daquela espécie jurídica preestabelecida pelo legislador) e não sobre a realidade econômica que lhe corresponde ou corresponderia. (BECKER, 1998, p. 507 e ss.).
A substituição progressiva objetiva combater a sonegação fiscal, propiciando a justiça fiscal, pois torna certas e praticáveis relações jurídicas em que é difícil a fiscalização. O instituto deixa de buscar a verdade real, mas para possibilitar a praticabilidade, a certeza jurídica e a operabilidade sistemática, tornando-se, assim, meio eficaz para se atingir os fins previstos pelas normas de tributação: captar recursos dos contribuintes que têm disponibilidade econômica, manifestada em determinados fatos objetivos, dela indicativos. Ou seja:
ao fixar os objetivos visados por certa regra jurídica tributária em processo de formação, o legislador observa obstáculo prático, o que tornaria impraticável, ou muito difícil, a sua aplicação; diante disso, resolve abandonar a realidade que normalmente lhe serviria de base, seja para constar no polo passivo, seja para constar como elemento material da hipótese de incidência, e substituí-la por uma falsidade. (BECKER, 1998, p. 523 e ss).
4 - Teorias acerca da constitucionalidade do mecanismo da substituição tributária
4.1 - Dos princípios constitucionais aplicáveis ao mecanismo da substituição tributária progressiva
Através daEmenda Constitucional nº 03/93a sistemática da substituição tributária incorporou caráter legal, aniquilando rumores de inconstitucionalidade do instituto.
Com o surgimento do aludido mecanismo, passou-se a analisar quais eram os princípios constitucionais a ele aplicáveis, a fim de adequá-los da mais justa e eficaz maneira à realidade jurídico econômica brasileira.
Neste sentido, o ilustre Doutrinador Marco Aurélio Greco (07) esclarece que o regime da substituição se legitima a partir da observação dos requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Já sob o ponto de vista da jurisprudência, entende-se por necessidade e adequação a relação entre o fato presumido e o fato real, sob o qual incidiu o tributo antecipadamente. No que tange à proporcionalidade, estaria tal princípio vinculado à proibição de excessos de modo que a base de cálculo abstrata e o valor real obtido se aproximem ao máximo (GODOI, 2001, p. 81-87)
Todavia, de maneira diametralmente oposta, há ainda quem sustente, apesar de o instituto já dispor de viés constitucional, acerca da inconstitucionalidade da substituição progressiva (CARRAZZA, 2000, p. 182 e ss, 2004, p. 405 e ss; MACHADO, 1999, p. 118; MELO, 2000, p. 151 e ss.), sustentação esta fulcrada na tese de que referido mecanismo viola princípios como os da legalidade e da segurança jurídica.
Contudo, tais posicionamentos encontram-se deveras superados, visto ser a questão da constitucionalidade do instituto entendimento já pacificado tanto pelo próprio ordenamento jurídico constitucional, quanto pela posição firmada dos Tribunais Superiores, tal qual o que se observa no julgamento do Recurso Extraordinário nº 213.396/SP, do Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJU de 01.12.2000, em que se reconheceu que a responsabilidade como substituto fora imposta por lei, como medida de política fiscal autorizada pela Constituição Federal, não havendo sentido falar-se em exigência tributária despida de fato gerador.
Relativamente ao princípio da legalidade estrita, também conhecida como legalidade formal e tipicidade, justaposto à substituição, conspícuos doutrinadores como Roque Antônio Carrazza (2000, p. 195-197), Hugo de Brito Machado (1999, p. 118 e ss.) e José Eduardo Soares de Melo (2000, p. 148 e ss.) não permitem o uso de presunções, mas, única e tão somente, de fatos reais, sem o que se estaria tributando por analogia com a realidade, quando a tipicidade demanda semelhança de rigorosa identificação entre elemento legal e fato real.
Contudo, com a nova predisposição de relativização da ideia de estrita tipicidade tributária, típico do progresso hermenêutico ocorrido desde a escola da exegese até os dias de hoje, pautada na projeção do moderno pós positivismo centralizador de atenções nos princípios, tem-se provado a disposição de as leis tributárias empregarem cláusulas gerais ou conceitos abertos, fortalecendo a supremacia da Constituição e, portanto, permitindo uma maior atuação pelos seus aplicadores, notadamente os administradores e os juízes.
Segundo pontifica Ricardo Lobo Torres (2004,p.105):
A legalidade não é um princípio absoluto e fechado, posto que a lei tributária opera também através de cláusulas gerais, princípios indeterminados e tipos, tornando-se aberta à interpretação e à complementação judicial.
Marco Aurélio Greco (1998, p.68), da mesma maneira, conserva uma revisão deste conceito de legalidade tributária, questionando onde está escrita a tipicidade fechada naConstituição FederalBrasileira.
Desta maneira, por ser constituída por elementos taxativos, determinados e exclusivos, faz-se impraticável acobertar uma tipicidade fechada diante dos princípios constitucionais tributários, sendo mister que esta noção seja atualizada por uma legalidade o mais determinada possível, em que os elementos do suporte fático da lei tributária sejam enumerados, no entanto, sem ignorar a invencível margem de indeterminação dos signos a serem objetivados numa atividade hermenêutica declaratória, mas não rígida, que considere a variabilidade do sentido no compasso da variabilidade dos fatos e a possibilidade de graduação em cada um desses elementos, identificáveis com o fato real até o limite mais extremo, sem perder o núcleo significativo mínimo.
Neste passo, verifica-se que a presunção é tida como uma graduação quanto a algum dos elementos do suporte fático, qual seja, do elemento material. Assim, a captação do pressuposto do fato constitucionalmente autorizado tanto pode ser feita por um fato real quanto por uma presunção, desde que esta continue vinculada ao pressuposto de fato e seja devidamente justificada. É essa graduação, à vista da nova legalidade tributária, que permite a captação da riqueza através de elementos que vão do real ao presumido, mas que não podem ser desvinculados do pressuposto de fato constitucionalmente autorizado.
Outro aspecto importante que merece destaque é o fato de a legalidade não ser um fim em si mesmo, ou seja, está diretamente vinculada à concretização da segurança jurídica, "princípio que orienta a interpretação de outros princípios, dada a sua grande carga axiomático-valorativa", conforme pontifica o nobre jurista Paulo de Barros Carvalho (2004, p. 29-60).
Cumpre salientar, ainda, que o princípio da segurança jurídica sempre foi atrelado à previsibilidade, à certeza do direito, vetor interpretativo à legalidade, e segurança jurídica sempre foi atrelada à previsibilidade, à certeza do direito, vetor interpretativo à legalidade, garantindo aos contribuintes encontrarem na lei formal todos os elementos que lhes permitam quantificar o quantum debeatur da obrigação tributária.
A partir dessa premissa, percebe-se claramente que o mecanismo da substituição tributária progressiva preza pela segurança ao permitir que o contribuinte saiba, antecipadamente, qual será o valor do ICMS que irá incidir nas operações a serem realizadas, podendo utilizá-lo como custo do produto para fins de cálculo de sua margem de lucro. Uma obrigação por natureza bastante fluida no mundo real é tornada certa, reforçando a segurança jurídica na complexa sociedade de massas.

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