O Imposto Sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços, mais conhecido como ICMS,
certamente é considerado um dos tributos mais importantes do ordenamento
jurídico brasileiro, afora que é a maior fonte de recursos dos Estados
da Federação. Neste passo, cediço que o ente público possui várias
sistemáticas administrativas utilizadas com a finalidade arrecadatória
do aludido imposto, sendo a substituição tributária uma delas. Tal
mecanismo, o qual antecipa o recolhimento do tributo antes mesmo que se
concretize a operação, representa esse incitamento arrecadatório, o qual
é considerado, por inúmeros doutrinadores, inconstitucional.
O mecanismo da
substituição tributária foi criado e incorporado no ordenamento jurídico
brasileiro, primeiramente, a fim de impedir a sonegação, facilitando,
assim, que fosse realizado um controle e uma fiscalização mais eficaz
pelos respectivos órgãos competentes, além de, num segundo momento,
propiciar maior arrecadação. OCódigo Tributário Nacional- CTN, em seu texto original, mais precisamente seuartigo 58,
§ 2º, II, foi quem instituiu a sistemática da Substituição Tributária.
Todavia, foi revogado em 1968. Mas, no ano de 1983, voltou a viger no
ordenamento juridico brasileiro, ganhando no ano de 1993 status
constitucional, através da edição daEmenda Constitucional nº 03/93. No entanto, só foi possivel viabilizar a aplicabilidade deste mecanismo com a edição daLei Complementar nº 87/96.
Nesta conjuntura, a
constitucionalidade do mecanismo da substituição tributária foi
abundantemente discutida, arguindo-se, sobretudo, a presunção do fato
jurídico futuro sob o escudo dos princípios da tipicidade tributária e
da capacidade contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, sob a
égide do princípio da não cumulatividade.
Um dos principais pontos de inconsonância foi introduzido pela reforma de 1993 daConstituição Federal, em seuartigo 150,
§ 7º. Parte da doutrina alega a inobservância da faticidade do
pressuposto na hipótese de incidência quando da aplicação da
substituição. Neste passo, o ilustre doutrinador Marco Aurélio Greco
leciona em sua obra Substituição Tributária (01) que:
"tal regime se
legitima a partir da observação dos requisitos da necessidade, da
adequação e da proporcionalidade" (sob o âmbito da relação entre o fato
jurídico presumido e o fato real).
Outrossim, Marciano Seabra Godói e Gilberto Ayres Moreira (2001, p. 81-87) dispõem que:
A
proporcionalidade estaria vinculada à proibição de excessos de forma que
o arbitramento da base de cálculo abstrata e o valor real obtido se
aproximem ao máximo.
Desta forma,
conforme a magnitude em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador
presumido, verifica responsabilidade em relação a serviços, mercadorias
ou bens aos sujeitos da relação, convenciona-se a base de cálculo da
incidência precipitada, sendo que essa base de cálculo pautar-se-á na
soma do valor da operação ou da prestação efetivada pelo substituto,
sendo acrescidos a ela o valor do transporte das mercadorias e o valor
referente à margem de valor agregado, adsorvendo-se parâmetros para
compor a aludida base de cálculo.
Neste diapasão, o
mecanismo da Substituição Tributária no ICMS, mesmo sendo uma forma
diferenciada de arrecadação tributária, não se distingue dos diversos
tributos existentes no ordenamento jurídico quanto a sua incidência e
quanto à aplicação da regra matriz de incidência. Assim, com a
ocorrência do fato imponível (02) na hipótese incidente legal (03),
nasce a obrigação do particular que praticou tal fato para com o Fisco.
Adverte-se, contudo, no que tange ao ICMS, a aplicação do princípio da
não cumulatividade, competindo ao contribuinte, na ocasião de adimplir
com a obrigação tributária, descontar a quantia devida dos valores de
ICMS pagos na etapa anterior.
Nas esferas
econômica e consumerista, verifica-se que a predileção do elemento
presumido necessita ocorrer dentro do ciclo econômico da mercadoria, em
etapa antecedente e expressivamente reducente do número de contribuintes
a serem fiscalizados. Assim, a base de cálculo presumida deve obedecer a
critérios específicos de dedução, aproximando-se, o mais possível, do
valor da futura venda ao consumidor.
O Pretório Excelso,
no âmbito do direito tributário, oferece um raciocínio no sentido de
conferir a máxima eficácia aos valores da isonomia, do combate à
sonegação e da praticidade, conservando a finalidade desejada pelo
legislador ao instituir a sistemática da substituição tributária no
ordenamento jurídico. Tem-se, destarte, um posicionamento respaldado em
valores jurídicos, coesos com a hodierna linha interpretativa do
Tribunal, além de compatibilizar com o esboço dogmático do mecanismo e
com os princípios tributários.
Portanto,
verifica-se comprovado que as questões levantadas em relação à
sistemática da substituição tributária a partir da óptica
constitucional, jurídica e econômica devem ser tratadas de uma maneira
crítica, fática e analítica, com a finalidade de extinguir quaisquer
dúvidas que se engendrem em relação a sua aplicabilidade e suas
consequências, seja pela relação formada entre os sujeitos do regime,
seja pela reação econômica e aos consumidores finais dos produtos sob o
amparo deste sistema.
2 - Do breve relato histórico
2.1 - Do surgimento e da importância da substituição tributária no Direito Tributário Brasileiro
A substituição
tributária foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro com um
único objetivo: evitar a sonegação por meio da facilitação do controle e
da fiscalização através dos órgãos competentes. Consequentemente,
atingindo-se o objetivo, seria propiciada maior arrecadação do aludido
imposto ao ente competente para tanto.
Com feito, a fim de
facilitar o controle da arrecadação e fiscalização do tributo, os
Estados, na década de 70, imediatamente nos primeiros anos de vigência
do antigo ICM, passaram a refletir na substituição tributária como forma
de facilitar a operacionalização do imposto. Todavia, grande debate
nasceu com a retenção do ICMS na fonte, em que o fabricante, ao vender
para o comerciante, já deveria reter o ICMS que incidiria em venda
futura, destarte, antes da ocorrência do fato gerador (04).
Assim, foi no texto original doCódigo Tributário Nacional- CTN - mais precisamente em seu inciso II, § 2º,artigo 58, que brotou o instituto da substituição tributária, o qual assim dispunha:
Art. 58. Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor que promova a saída da mercadoria.
(.)
§2º A lei pode atribuir a condição de responsável:
(.)
II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido
por comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a
ele remetida, de percentagem nao excedente a 30% (trinta por cento) que a
lei estadual fixar.
No entanto, no ano de 1968, referido instituto foi revogado através doDecreto lei nº 406, voltando a viger, tão somente em 1983, através da edição da Lei Complementar nº 44. Com a edição daEmenda Constitucional nº 03/1993, a substituição tributária ganhou status constitucional, assim determinando em seuartigo 150, §7º:
Art. 150. (.)
§ 7º. A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a
condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo
fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e
preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato
gerador presumido.
Mesmo com status
constitucional, a sistemática da substituição tributária ainda não
possuía a devida aplicabilidade, o que passou a ocorrer somente em 1996,
quando foi editada a Lei Complementar nº 87, a qual conferiu à
substituição tributária viabilidade aplicativa, pois passou a incorporar
em seu próprio texto a autorização para tal procedimento.
Já a substituiçao
tributária "para frente", em que o ICMS é retido na fonte, foi
instituída no ordenamento jurídico brasileiro na década de 70, também
como meio facilitador de controle das operações e dificultador de
sonegações. Ato contínuo, no ano de 1983 houve a edição da Lei
Complementar nº 44, inserida através doDecreto Lei nº 406/68, a qual previa a possibilidade de subistituição tributária das operações subsequentes.
Ainda após a edição
da referida Lei Complementar, porém, as decisões judiciais permaneceram
divergentes, pois ora eram favoráveis ao Fisco, ora aos contribuintes.
Mas, no ano de 1994, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da
uniformização jurisprudencial, pacificou o entendimento no sentido de
legitimar esta modalidade de substituição.
Portanto, o mundo
jurídico muito discutiu acerca da constitucionalidade desse mecanismo,
questionando, principalmente, a possibilidade de se presumir fato
jurídico futuro sob a égide dos princípios da tipicidade e capacidade
contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, o princípio da não
cumulatividade.
Neste passo, no
alcance em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador presumido, atribui
responsabilidade em relação a mercadorias, bens ou serviços aos
sujeitos da relação, estipula-se a base de cálculo da incidência
antecipada, pautando-se na soma do valor da operação ou da prestação
realizada pelo substituto, acrescida pelo valor do transporte das
mercadorias e pela margem de valor agregado, fixando-se parâmetros para
compô-la.
Acerca da
importância do mecanismo no universo jurídico tributário e na sociedade
como um todo, a substituição tributária evidencia ser, indubitavelmente,
um meio eficaz de combate à sonegação, garantindo que todos os
contribuintes arquem com o ônus tributário que lhes é cabível. Ademais e
de suma importância, trata-se referido mecanismo de uma técnica
indispensável à promoção da justiça fiscal, zelando para que os cidadãos
percebam a efetividade prática e isonômica das normas tributárias
pertencentes ao Estado Democrático de Direito, que tem vultosos gastos
sociais a cumprir e escolhe as imposições fiscais como fonte ordinária
de receitas. (05)
De tal modo,
cristalino é o valor deste mecanismo na atual sociedade brasileira,
posto que alcança setores economicamente acentuados e de complicada
fiscalização, correspondendo a significativa parte da arrecadação dos
estados.
2.2 - Da evolução legal da substituição tributária no Brasil
Heleno Torres (2001,
p. 87-108), inteligentemente, definiu a substituição tributária como o
mecanismo de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na
relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o
pagamento devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime
plurifásico.
Portanto, conclui-se que a obrigação tributária se extingue com a ocorrência do fato gerador previsto para o contribuinte.
Desta maneira, aEmenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, em seuartigo 150, § 7º, determinou que:
A lei poderá
atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de
responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador
deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial
restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador
presumido.
Da leitura deste
texto e extraindo-se as principais características do instituto ora
analisado, tem-se que: num primeiro momento, a técnica da substituição
tributária implica uma pessoa substituta e outra substituída, sendo que a
substituta é a responsável, enquanto a substituída é a verdadeira
contribuinte, conforme ensina Aires F. Barreto (2002, p. 7-32). E mais,
observa-se que, sob este regime de arrecadação tributária, a terceira
legalmente responsável é quem efetua o recolhimento antecipado da exação
que incidiria em operação futura, substituindo o contribuinte desta
obrigação tributária presumida, repassando-se o encargo tributário
adiantado.
ALei Complementar nº 87/96, através de seuartigo 6º,
autoriza a aplicação da sistemática de substituição tributária ao ICMS,
restando aos Estados a atribuição de responsabilidade em relação às
mercadorias, bens ou serviços. Desta maneira, embasando-se em fato
gerador presumido, estabelece-se a base de cálculo da incidência
antecipada como a soma do valor da operação ou prestação realizada pelo
substituto tributário, do montante dos valores relativos ao transporte
de mercadorias e da margem de valor agregado, incluindo-se o lucro das
operações ou prestações subsequentes.
Neste diapasão, o
legislador estipulou parâmetros para determinar valores abstratos
aproximados, estabelecendo-se, assim, a margem de valor agregado:
(...) com base em
preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por
levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e
outros elementos fornecidos por entidades representativas dos
respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados,
devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
É desta maneira acima citado que dispõe o §4º doartigo 8º da Lei Complementar nº 87/96.
Outrossim, no Estado
de São Paulo, a lei contempla uma ampla interpretação ao dispositivo
constitucional quanto à obrigação da restituição do valor pago a maior.
Ora, a redação doartigo 66 da Lei Estadual nº 6.374/95, alterada pelaLei nº 9.176/95,
certifica a restituição do imposto pago antecipadamente, não apenas no
caso em que não se efetive o fato gerador presumido na sujeição passiva (artigo 66-B, inciso I, da Lei Estadual nº 6374),
mas ainda quando se comprove que na operação final com mercadoria ou
serviço restou configurada obrigação tributária de valor inferior à
presumida (alteração daLei Complementar nº 87/96, em seuartigo 19).
A incidência e o
emprego da regra matriz do ICMS são semelhantes aos demais tributos. Não
obstante, nesse há a particularidade do cumprimento ao princípio da não
cumulatividade, ou seja, o contribuinte abaterá do montante devido os
valores referentes aos ICMS já pagos na etapa anterior do momento que
adimplir sua obrigação. Conforme ensinamento de Geraldo Ataliba (1989,
p.730-96), o direito de abater é expressão fática do princípio da não
cumulatividade do ICMS.
Por derradeiro, oartigo 20 da Lei Complementar nº 87/96não adotou o método do tax on tax (dedução do imposto) para efeitos da substituição tributária no ICMS.
De acordo com
aludido artigo, o sujeito passivo pode abater o imposto anteriormente
cobrado, para a compensação, em "operações de que tenha resultado a
entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a
destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente."
3 - Do conceito de substituição tributária
3.1 - Do conceito de substituição tributária
Conforme afirmado em
capítulo anterior, o mecanismo da substituição tributária foi
positivado com o objetivo de evitar a sonegação por meio da facilitação
do controle e da fiscalização através dos órgãos competentes, bem como
propiciar uma maior arrecadação do aludido imposto ao ente competente
para tanto, além de condensar a cobrança de tributos plurifásicos em um
singular pagamento.
Pois bem, foi com
esse objetivo que houve a inserção da substituição tributária junto ao
ordenamento juridico brasileiro. Cumpre, agora, conceituá-la.
O Doutrinador Heleno Torres (2001, p. 87-108) define a substituição tributária como:
(...) o mecanismo
de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na relação
jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o pagamento
devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime
plurifásico.
Para José Eduardo Soares de Melo (1997, p. 179), a substituição tributária é definida da seguinte maneira:
Trata-se a
substituição de imputação de responsabilidade por obrigação tributária
de terceiro que não praticou o fato gerador, mas que tem vinculação
indireta com o real contribuinte. O substituto tem decorrer naturalmente
do fato imponível, da materialidade descrita (hipoteticamente) na norma
jurídica, não podendo ser configurado por mera ficção do legislador.
3.2 - Das modalidades de substituição tributária
Quanto às
modalidades, quando se fala em substituição tributária, é comum
associá-la à cobrança antecipada em relação a um fato gerador futuro.
Todavia, é necessário observar que ela também pode ocorrer relativamente
a operações e prestações antecedentes, concomitantes ou subsequentes. O
presente trabalho aborda a substituição tributária das operações
subsequentes, ou seja, a retenção do ICMS na fonte, que ocorre quando
determinado produto tem poucos fabricantes ou importadores, e inúmeros
comerciantes que o revendem, sendo de grande valia para o Estado exigir
daqueles que, ao vender para o comerciante, calculem, à parte, o valor
presumido da venda futura do comerciante e já cobre na nota fiscal, em
separado, o valor do ICMS retido por substituição tributária em relação
às operações subsequentes (ROSA, 2009, p. 10).
3.3 - Das teorias de substituição tributária no ICMS
Diversas são as
linhas argumentativas que analisam o instituto da substituição
tributária na esfera do ICMS, sendo que algumas delas merecem um
destaque especial.
Há a tese da
inconstitucionalidade do instituto, que será detalhadamente exposta
neste trabalho em momento oportuno, e que consiste, basicamente, na
afirmação de que tal instituto viola diversos princípios
constitucionalmente garantidos. Trata-se de opinião já superada,
inclusive pela posição jurisprudencial.
Outra tese bastante
discutida é a da presunção relativa, supostamente criada por lei, a ser
confirmada no momento da ocorrência do fato no mundo real, o que cria a
necessidade de eventual devolução nos casos em que o valor presumido não
corresponder ao valor real da venda (06).
Nesse modelo, o
futuro fato material presumido teria o condão de confirmar ou não a
presunção, ou seja, em havendo diferenças entre a base de cálculo
presumida e o preço final de venda:
(...) a
alternativa que entendemos viável, reproduz-se pela recomposição da
conta corrente do ICMS, o que implica reformulação do sistema de
apuração originário que se faz por confronto entre débito e crédito por
mercadoria em cada operação, para fazê-lo por período. Porém, nessa
circunstância analisada, para saber quais os débitos das operações
realizadas pelos varejistas, torna-se imperioso o fracionamento do valor
agregado, em partes iguais, quando não houver outra forma no caso
concreto. (LIMA NETO, 2000, p. 78)
Há, ainda, a tese
defendida por renomados juristas como Marco Aurélio Greco, em que o
cerne da norma descrita no § 7º do artigo 150 da Constituição Federal
não seria a substituição tributária em si, mas sim a antecipação da
exigência do tributo, visto ser esta norma aplicável não somente ao
ICMS, mas a impostos e contribuições também. Nas palavras de Marco
Aurélio Greco:
(...) o § 7º do
art. 150 da CF de 1988 está prevendo a figura da "antecipação", pois
contempla hipótese de atribuição de responsabilidade tributária em
função de um evento futuro; ou seja,figura em que o tributo é exigido de
um contribuinte numa etapa do ciclo econômico, em contemplação de um
fato gerador a ocorrer em etapa posterior, em geral tendo a mesma
mercadoria por objeto. (GRECO, 2001, p.14).
Ainda segundo essa
tese, se a antecipação for com substituição, deve atender a três
cláusulas: vinculação, atribuição e vedação de excesso ou restituição. A
vinculação estaria atrelada ao pressuposto de fato (e não ao fato
gerador):
(...) ao invés da
legislação atrelar a exigência de recolhimento do dinheiro aos cofres
públicos ao momento em que estiver concluída a ocorrência do fenômeno
(econômico ou jurídico) qualificado pelo ordenamento, ela conecta a
exigência a uma fase preliminar, como que antecipando as consequências
que, no modelo tradicional, só seriam deflagradas depois da ocorrência
do próprio fenômeno. Sublinhe-se que o fato qualificado para fins de
deflagrar o recolhimento deve ser fase preliminar do fenômeno, econômico
ou jurídico, que compõe a materialidade da competência tributária
constitucional prevista, e não necessariamente do fato gerador do
tributo. (GRECO, 2001, p.30).
Em relação às
cláusulas de atribuição e de vedação de excesso ou de restituição,
tem-se que a primeira diz respeito à necessidade de vínculo entre a
terceira pessoa responsável pelo recolhimento do tributo com o
respectivo pressuposto de fato sendo, no caso do ICMS, o ciclo econômico
da mercadoria e a segunda implica uma:
vedação a se
cobrar mais do que resultaria caso fosse aplicado o modelo clássico do
fato gerador da obrigação tributária, impondo-se a devolução sempre que o
fato real não acontecer ou, acontecendo, não se der na dimensão
originalmente prevista, pois havendo excesso este tem natureza de
cobrança indevida. (GRECO, 2001, p.25).
Ainda, outra tese
pertinente de se ressaltar é a que considera a substituição progressiva
uma técnica legal situada no plano normativo, em que não há alteração no
plano de incidência tributária, ou seja, não se modificam sujeitos,
base de cálculo ou elemento material da hipótese de incidência. O § 7º
doartigo 150 da CFapenas
autorizaria o legislador a escolher uma nova técnica de arrecadação,
por meio de novas hipóteses de incidência vinculadas às materialidades
previstas na Constituição Federal (SANTI, 2005, p. 535-552).
É cediço destacar que oartigo 150, parágrafo 7º, da CFé
daqueles dispositivos que contêm mais de uma norma, ou seja, diferentes
suportes fáticos. Assim, todas essas teorias apresentam interpretações
singulares do mecanismo da substituição tributária e objetivam
desmembrá-lo a fim de obter a maneira mais adequada de sua aplicação
conforme seus interesses jurídicos e econômicos.
As normas extraídas
do referido artigo tanto autorizam ao legislador infraconstitucional
tributar uma parcela da realidade, econômica ou jurídica, por meio da
presunção - e daí uma das grandes polêmicas da doutrina tributária
brasileira - quanto dispões sobre a obrigação de o Estado devolver o
pagamento caso o elemento presumido não ocorra no universo fático.
Alfredo Augusto
Becker é um dos pioneiros na discussão sobre a presunção dos fatos no
universo tributário. Considerando a observância ao princípio da
legalidade, a incidência do tributo deve corresponder à realidade, uma
espécie de verdade real deve guiar o tributarista. O renomado jurista
chama atenção para o fato de que o sistema da avaliação direta da base
econômica de incidência é um processo:
(...) arcaico,
bárbaro e frequentemente menos seguro para a descoberta da verdade,
cabendo ao legislador escolher não apenas a finalidade de determinada
regra jurídica, como também os meios para alcançar aquele fim, com a
maior possível aproximação. (BECKER, 1998, p. 504).
Destaca, ainda, que,
frequentemente, o legislador elege como presunção de capacidade
contributiva determinado fato jurídico de mais fácil e segura
identificação e captação que o fato econômico esquivo que normalmente
corresponde àquele fato jurídico.
Ora, para atingir
seus fins, o Estado precisa captar recursos, e os obtém através dos
tributos, exigindo do cidadão uma parcela de sua renda ou capital,
tributando, isonomicamente, aqueles que têm disponibilidade econômica
para tal. Nas palavras de Becker:
Uma das funções do
direito positivo, qual seja a de conferir certeza à incerteza das
relações sociais, certeza esta ausente nas ciências físicas e sociais,
onde mesmo a mais precisa das leis científicas naturais nunca será mais
do que uma extrema possibilidade, o que, ainda assim, não lhe rouba a
utilização prática. (BECKER, 1998, p. 506).
Assim, torna-se
claro que as presunções no direito tributário podem ocorrer, o que não
pode é haver critérios absolutos e incontroláveis na elaboração dessas
presunções, que devem ater-se aos métodos científicos em curso e serem
passíveis de controle. Ainda nas palavras de Becker:
Em síntese, ante o
problema prático, o legislador valorizou os interesses em conflitos e o
critério de preferência que inspirou a solução legislativa (fato
jurídico como hipótese de incidência da regra jurídica tributária) foi o
de perder em justiça absoluta aquilo que ganhava em certeza e
praticabilidade do Direito Tributário; verbi gratia: certeza e
praticabilidade do lançamento tributário. Ora, as valorações dos
interesses em conflito num problema prático e o critério de preferência
que inspirou a solução legislativa, participam da objetividade da regra
jurídica e não podem ser reexaminados pelo seu intérprete sob o pretexto
de melhor adequação à realidade econômica, no momento da incidência da
regra jurídica. O intérprete da lei tributária deverá investigar sua
incidência exclusivamente sobre o fato jurídico (e desde que revestido
daquela espécie jurídica preestabelecida pelo legislador) e não sobre a
realidade econômica que lhe corresponde ou corresponderia. (BECKER,
1998, p. 507 e ss.).
A substituição
progressiva objetiva combater a sonegação fiscal, propiciando a justiça
fiscal, pois torna certas e praticáveis relações jurídicas em que é
difícil a fiscalização. O instituto deixa de buscar a verdade real, mas
para possibilitar a praticabilidade, a certeza jurídica e a
operabilidade sistemática, tornando-se, assim, meio eficaz para se
atingir os fins previstos pelas normas de tributação: captar recursos
dos contribuintes que têm disponibilidade econômica, manifestada em
determinados fatos objetivos, dela indicativos. Ou seja:
ao fixar os
objetivos visados por certa regra jurídica tributária em processo de
formação, o legislador observa obstáculo prático, o que tornaria
impraticável, ou muito difícil, a sua aplicação; diante disso, resolve
abandonar a realidade que normalmente lhe serviria de base, seja para
constar no polo passivo, seja para constar como elemento material da
hipótese de incidência, e substituí-la por uma falsidade. (BECKER, 1998,
p. 523 e ss).
4 - Teorias acerca da constitucionalidade do mecanismo da substituição tributária
4.1 - Dos princípios constitucionais aplicáveis ao mecanismo da substituição tributária progressiva
Através daEmenda Constitucional nº 03/93a sistemática da substituição tributária incorporou caráter legal, aniquilando rumores de inconstitucionalidade do instituto.
Com o surgimento do
aludido mecanismo, passou-se a analisar quais eram os princípios
constitucionais a ele aplicáveis, a fim de adequá-los da mais justa e
eficaz maneira à realidade jurídico econômica brasileira.
Neste sentido, o
ilustre Doutrinador Marco Aurélio Greco (07) esclarece que o regime da
substituição se legitima a partir da observação dos requisitos da
necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Já sob o ponto de
vista da jurisprudência, entende-se por necessidade e adequação a
relação entre o fato presumido e o fato real, sob o qual incidiu o
tributo antecipadamente. No que tange à proporcionalidade, estaria tal
princípio vinculado à proibição de excessos de modo que a base de
cálculo abstrata e o valor real obtido se aproximem ao máximo (GODOI,
2001, p. 81-87)
Todavia, de maneira
diametralmente oposta, há ainda quem sustente, apesar de o instituto já
dispor de viés constitucional, acerca da inconstitucionalidade da
substituição progressiva (CARRAZZA, 2000, p. 182 e ss, 2004, p. 405 e
ss; MACHADO, 1999, p. 118; MELO, 2000, p. 151 e ss.), sustentação esta
fulcrada na tese de que referido mecanismo viola princípios como os da
legalidade e da segurança jurídica.
Contudo, tais
posicionamentos encontram-se deveras superados, visto ser a questão da
constitucionalidade do instituto entendimento já pacificado tanto pelo
próprio ordenamento jurídico constitucional, quanto pela posição firmada
dos Tribunais Superiores, tal qual o que se observa no julgamento do
Recurso Extraordinário nº 213.396/SP, do Ministro Ilmar Galvão,
publicado no DJU de 01.12.2000, em que se reconheceu que a
responsabilidade como substituto fora imposta por lei, como medida de
política fiscal autorizada pela Constituição Federal, não havendo
sentido falar-se em exigência tributária despida de fato gerador.
Relativamente ao
princípio da legalidade estrita, também conhecida como legalidade formal
e tipicidade, justaposto à substituição, conspícuos doutrinadores como
Roque Antônio Carrazza (2000, p. 195-197), Hugo de Brito Machado (1999,
p. 118 e ss.) e José Eduardo Soares de Melo (2000, p. 148 e ss.) não
permitem o uso de presunções, mas, única e tão somente, de fatos reais,
sem o que se estaria tributando por analogia com a realidade, quando a
tipicidade demanda semelhança de rigorosa identificação entre elemento
legal e fato real.
Contudo, com a nova
predisposição de relativização da ideia de estrita tipicidade
tributária, típico do progresso hermenêutico ocorrido desde a escola da
exegese até os dias de hoje, pautada na projeção do moderno pós
positivismo centralizador de atenções nos princípios, tem-se provado a
disposição de as leis tributárias empregarem cláusulas gerais ou
conceitos abertos, fortalecendo a supremacia da Constituição e,
portanto, permitindo uma maior atuação pelos seus aplicadores,
notadamente os administradores e os juízes.
Segundo pontifica Ricardo Lobo Torres (2004,p.105):
A legalidade não é
um princípio absoluto e fechado, posto que a lei tributária opera
também através de cláusulas gerais, princípios indeterminados e tipos,
tornando-se aberta à interpretação e à complementação judicial.
Marco Aurélio Greco
(1998, p.68), da mesma maneira, conserva uma revisão deste conceito de
legalidade tributária, questionando onde está escrita a tipicidade
fechada naConstituição FederalBrasileira.
Desta maneira, por
ser constituída por elementos taxativos, determinados e exclusivos,
faz-se impraticável acobertar uma tipicidade fechada diante dos
princípios constitucionais tributários, sendo mister que esta noção seja
atualizada por uma legalidade o mais determinada possível, em que os
elementos do suporte fático da lei tributária sejam enumerados, no
entanto, sem ignorar a invencível margem de indeterminação dos signos a
serem objetivados numa atividade hermenêutica declaratória, mas não
rígida, que considere a variabilidade do sentido no compasso da
variabilidade dos fatos e a possibilidade de graduação em cada um desses
elementos, identificáveis com o fato real até o limite mais extremo,
sem perder o núcleo significativo mínimo.
Neste passo,
verifica-se que a presunção é tida como uma graduação quanto a algum dos
elementos do suporte fático, qual seja, do elemento material. Assim, a
captação do pressuposto do fato constitucionalmente autorizado tanto
pode ser feita por um fato real quanto por uma presunção, desde que esta
continue vinculada ao pressuposto de fato e seja devidamente
justificada. É essa graduação, à vista da nova legalidade tributária,
que permite a captação da riqueza através de elementos que vão do real
ao presumido, mas que não podem ser desvinculados do pressuposto de fato
constitucionalmente autorizado.
Outro aspecto
importante que merece destaque é o fato de a legalidade não ser um fim
em si mesmo, ou seja, está diretamente vinculada à concretização da
segurança jurídica, "princípio que orienta a interpretação de outros
princípios, dada a sua grande carga axiomático-valorativa", conforme
pontifica o nobre jurista Paulo de Barros Carvalho (2004, p. 29-60).
Cumpre salientar,
ainda, que o princípio da segurança jurídica sempre foi atrelado à
previsibilidade, à certeza do direito, vetor interpretativo à
legalidade, e segurança jurídica sempre foi atrelada à previsibilidade, à
certeza do direito, vetor interpretativo à legalidade, garantindo aos
contribuintes encontrarem na lei formal todos os elementos que lhes
permitam quantificar o quantum debeatur da obrigação tributária.
A partir dessa
premissa, percebe-se claramente que o mecanismo da substituição
tributária progressiva preza pela segurança ao permitir que o
contribuinte saiba, antecipadamente, qual será o valor do ICMS que irá
incidir nas operações a serem realizadas, podendo utilizá-lo como custo
do produto para fins de cálculo de sua margem de lucro. Uma obrigação
por natureza bastante fluida no mundo real é tornada certa, reforçando a
segurança jurídica na complexa sociedade de massas.
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